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sexta-feira, 25 de março de 2011

LÍBERO E DIRECTO, 2



Preâmbulo

António Cagica Rapaz

Um jogador de futebol que escreve, é pouco comum. Frequente é a proliferação de biografias das grandes vedetas, com mil fotografias, textos laudatórios, panegíricos exaltadores das qualidades dos ídolos, evocação exaustiva dos feitos gloriosos, golos marcados, troféus conquistados, tudo centrado na figura do futebolista famoso.

Nada disto espera quem tiver a bondade de ler este livro. Nunca fui vedeta, não passei de razoável praticante, apenas fui capitão de uma modesta selecção de Setúbal, em juniores, em 1962, minha única e obscura distinção. De resto, fui um estudante que jogava ou um futebolista que estudava, não sei bem. Limitei-me a passar pelo futebol, a atravessar os campos, correndo atrás da bola e, sobretudo, de um cursozinho de Letras.

Fui amador em Sesimbra, não-amador na Académica, profissional na CUF e acabei (prematuramente, aos 27 anos) a minha carreira em Belém.

Curiosa e ironicamente, a minha relação com o futebol teve início e fim no Restelo. O meu pai era sócio e, lá em casa, éramos todos do Belenenses. Chorei quando o Martins tirou o título ao Belenenses, em 1955, ao cair do pano, nas Salésias. E assisti à inauguração do estádio do Restelo, em dia chuvoso. O meu ídolo era o Matateu…

Comecei a escrever crónicas, em 1971, no Diário de Lisboa, a convite de Jorge Soares que me entrevistou sobre o momento atribulado do Belenenses, e o meu primeiro escrito foi sobre o meu conterrâneo Fragata, um espantoso jogador que nunca saiu de Sesimbra. Depois, centenas de crónicas se seguiram, em vários jornais e na rádio…

O título desta colectânea designa, por um lado, a função que mais me agradou desempenhar como jogador e evoca, por outro, a primeira rubrica que criei, no Diário de Lisboa, como mais à frente se verá.

O sub-título é uma homenagem ao incomparável Camilo José Cela que descobri ao ler os seus delirantes e fascinantes Onze contos de futebol. Perfidamente diria que consegui fazer mais do que o Nobel Camilo. Melhor é impossível…

Devo confessar que utilizei a designação de contos sobretudo para introduzir a alusão a mestre Cela, já que, na realidade, a maioria dos textos aqui apresentados não são contos mas crónicas que ilustram o que julgo ser um outro olhar, uma abordagem diferente ao universo futebolístico.

Esta forma de olhar o futebol deve-se, naturalmente, a uma sensibilidade que não é boa nem má, é apenas a minha. Em verdade, nunca levei o futebol muito a sério, conservei mesmo certa forma de deslumbramento, quase não acreditando que estava ali a jogar, a tratar por tu, a travar amizade, até, com grandes nomes como o Eusébio, o Hernâni, o Coluna ou o Hilário. Por razões que não vêm agora à colação, nunca me senti futebolista de corpo inteiro, nunca perdi a parcela de inocência da meninice, tendo-me sentido sinceramente feliz e honrado quando joguei pela primeira vez na Luz, contra o grande Eusébio. Tal como foi particularmente emocionante ter defrontado o meu ídolo, o velho Lucas, o inesquecível Matateu, na Tapadinha. Melhor ainda foi termos ficado amigos, para meu contentamento e orgulho.

Talvez tenha sido, de certa forma, um pouco marginal, tanto no futebol, onde nunca me entreguei a fundo, como no jornalismo que pratiquei sem compromissos nem submissões, livre e independente. E foi assim, com este olhar curioso e contemplativo, que fui observando o mundo do futebol, fixando a minha atenção nas pessoas que conheci, dentro e fora dos campos. Sem, no entanto, abdicar do direito (presumindo possuir algum conhecimento de causa) de criticar, aqui e ali, talvez de forma incisiva e mordaz.

Em verdade, julgo ter escrito sobretudo na condição de testemunha privilegiada, como alguém que viveu o futebol por dentro, a quem foi dado pisar relvados míticos e conhecer um pouco dos bastidores. Por isso, esta colectânea não será o diário de um capitão de longo curso, antes se parecerá com um livro de bordo redigido por um humilde grumete que vai dando conta, à sua maneira, do que viu e ouviu, do que sonhou e inventou, do que as sereias lhe segredaram ao longo de uma viagem que começou e findou no Restelo.

Infinitamente mais do que as vedetas, interessaram-me os homens, as pessoas, algumas célebres como Alves dos Santos, Carlos Pinhão Anselmo Fernandez ou José Maria Pedroto. Mas igualmente alguns desconhecidos, dignos de admiração.

O futebol não é um mundo perfeito, ele é como nós, tem os nossos defeitos e as nossas virtudes. Nem tudo nele é podridão e desencanto, também há beleza, sonho e até poesia. Quase por acaso, porque me convidaram, comecei a escrever, a partilhar ideias e convicções, a olhar o jogo da bola e os seus actores de uma forma que talvez tenha uma pontinha de originalidade e me deixa a ilusão de não ter dado muitos pontapés na gramática nem na civilidade.

Escrevi com gosto, como gosto, como gostei de jogar, melhor ou pior, como pude, como fui capaz. Mas sempre de cabeça erguida, com dignidade, livre e directo, mais em jeito do que em força…

1 comentário:

  1. Foi por causa do futebol que conheci o António!

    Habitava bem longe de Sesimbra
    quando a minha mulher me disse que tinha vindo, de Paris, para a TAP- Lisboa, um colega com um nome "estranho", Cagica Rapaz. Pedi-lhe que lhe perguntasse se não tinha jogado futebol na CUF.
    Por acaso... era ele! Só não percebia como é que alguém ainda se lembrava dele como futebolista (o António no seu melhor!) e quis conhecer o "maduro" que tinha tão boa memória.

    Foi assim que o conheci e que teve
    início a nossa amizade.

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

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