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segunda-feira, 4 de abril de 2011

NOVENTA E TAL CONTOS, 52
















Natureza

António Cagica Rapaz

Ao longo do ano era com muita dificuldade que se arrastava nas grandes superfícies dos hipermercados, acorrentado ao carrinho das compras que, melancolicamente, ia empurrando.

Frutas pálidas e enlatados tristonhos acumulavam-se entre as grades da viatura que manobrava em infindáveis gincanas entre as prateleiras de onde retirava, semana após semana, produtos idênticos, sem entusiasmo nem imaginação. O inferno maior era a bicha para a caixa, carrinhos mais carregados que camiões de longo curso, matronas encharcadas em perfumes manhosos, esperas penosas, tormentos infinitos.

Felizmente, havia as férias. Então, sim, adeus metropolitano, pizzerias à pressa, telejornal às oito, hipermercado ao sábado...

O outro carrinho devorava a estrada, rumo à aldeia de férias, fórmula nova, experiência tentadora. Ah, a Natureza, a praia selvagem, o oceano bravio, as dunas a perder de vista, os pinheiros mansos, o ar sadio, o vigoroso exercício físico, a leitura tranquila de um livro, a música suave ao entardecer...

Episodicamente, algumas compras no minimercado do aldeamento turístico, sem carrinho, apenas um cabaz ligeiro, necessidades mínimas, o prazer de descobrir rostos simpáticos, bronzeados, sorridentes, descontraídos, por vezes, insinuantes.

Aquela morena deliciosa, por exemplo, já a vira na praia. Olha, também vai para a caixa, mesmo à sua frente. Aproximou-se. Ela cheirava a maresia, a pele adivinhava-se macia, os cabelos soltos sobre os ombros. Aproximou-se mais, mais ainda, o seu rosto já roçava os cabelos negros, sentiu um desejo selvagem apoderar-se dele. E só se apercebeu de que era a sua vez de pousar o cabaz quando reparou no olhar divertido da empregada da caixa que o olhava de alto a baixo, dos pés à cabeça, até desatar a rir. Perdidamente, descontroladamente.

Jurou a si mesmo nunca mais voltar a um aldeamento de nudistas...

1998

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