__________________________________________________________________

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

NOVENTA E TAL CONTOS, 35

Crida Alice

António Cagica Rapaz

Estimo que esta te vá incontrar de boa saúde que nós cá vamos inde graças ò Senhor das Chagas. Vê lá tu qu’ontre dia do barque de Cacilhas um home veie ter comigue e preguntou seu era de Sesimbra. Fiquei imbuchada e ainda tou pra saber como é qu’ele descobriu. Ah, melher, fez-me cá umas fezes! O home parecia que tinha o rei na barriga, parecia um mandador, armade em labaruce. Ist’atão, senhores! Co barulhe do montor do barque aquase não ovia o que dezia a minha prima Alzira e ainda por cima aquele pilante a metersse cagente. Até faz ferre! Olha, o gaje vinha à fiuza mas levou cá uma arda caté foi a nove. Se calhar julgava que m’engrujava, tá ralace! Ai melher, iste tá cada vez pior. Deste dia aquela calhandra da Estrudes vei-me pedir um raminhe de salsa, carregadinha de manha, ela cria era conversa. Mas eu disse-le logue és tu nã és, não te descalces que vais ó petrol, tu queres é lulas. Olha só cria que visses aquela cavala areada. Começou a insultar-me, até fazia gargolide. Aquela lairona já nã se lembra quande andava escanzelada que eu até le tirei a linha torcida quande ela tava ca espinhela caída, fui mais que mãe dela, bebeu munta tejala de café da minha casa. Quem faz festas a galegos, mais galego é. Olha, o meu Vitra lá vai, o avise é prás dez. Hoje teve toda a tarde a encher bóias e a safar maxuxas, só foi jantar depois da caçada tar iscada. O gêbe do Irneste ainda cria co home fosse buscar a japona pra ir à doca, mai negro senhores. Quand’ele ia à sopa nã falava assim, agora nem quer ver o mar ò bote. Mas ainda ade cá vir à borda que eu façe-le um massacote. Ah, mar da neva, sempre quer ver se ò menos ele forra a isca, senão tem que andar à zagaia. Já lá vai o tempe qu’ele andava ò correcão. Depois sentava-se à rabeça e à noite ia ao cenima ver uma fita do trazan em trinta e uma partes. Ah, melher, beles tempes. Aquela lamesgóis da Estrudes já nã se lembra quande se punha a catar os ganaus aos filhos cas ventas cheias de ranho. Olha, vou ali buscar um becade de xoriçe pra pôr dentro duma carcassa caté estrala, não presta, sabes? Olha, sabes quem tem uma carrada de lenha que até cheira a rates é o teu prime Aguste. Vê lá tu que aquela mastrafona da Irrestina metia lá outre em casa quande o Aguste ia pró mar.

Deste dia o home vei do mar mais cede e apanhou o outre em ciroilas. Ela apanhou um cagace que só viste, vai aí um falatóire, mas o Aguste parece que é manse, se ela serve prós outros também serve pra ele, é o que dizem. Ai melher é lenha ós montes. Já me dói mas é a mão, parece que tive a impatar inzol a tarde toda. Olha ainda nã me saiu da cabeça come é qu’aquele paspalhão do barque de Cacilhas viu que eu era de Sesimbra. Achas que sou assim tão pexita? Ah, pariga, nã me digas!

Beijinhes e abraces da tua prima Floripes.

1985

1 comentário:

  1. Uma lição, muito bem humorada, do falar pexito.

    Uma delícia!

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

    ResponderEliminar