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segunda-feira, 14 de março de 2011

NOVENTA E TAL CONTOS, 49



Zacarias

António Cagica Rapaz

A defesa era imponente, gente de pêlo na venta, o João Caparica, o Manel Santana e o Jeremias Baeta, o queixada pé-de-chumbo.

Na baliza, o imprevisível Ilídio. No meio campo, mandava o temível Miguel Ferrinhos, libertando o Izidro para infiltrações subtis e golpes de cabeça insuperáveis. Na frente, Zé Filipe, Barlona, Zé Broa, Jesus e Pólvora, um senhor quinteto. É esta a mais antiga equipa do Desportivo de que me recordo. Muito rapidamente o Jesus saiu de cena, dizendo adeus aos rectângulos onde deixou a sua marca de goleador possante, e, para o substituir, surgiu um rapazinho tímido, com um belo pé esquerdo, toque suave, subtileza, técnica requintada, mas visível fragilidade.

Lançado no meio daqueles calmeirões, o Zacarias era um principezinho loiro, quase a pedir desculpa por estar ali. Mas foi-se afirmando, ganhando robustez, domingo a domingo, por esse distrito fora, em campos ásperos, com adversários intratáveis, rivalidades históricas, o Ramiro, do Amora, e outros que tais.

Aos poucos, foi impondo o seu estilo, a limpidez e o talento natural, perceptíveis em cada gesto. Quase lhe levei a mal quando o vi bater o pé, ombrear em execução com o Di Pace, roubar a bola ao Matateu, do meu Belenenses que veio jogar a Sesimbra em 1954, ano de triste memória, maldito Martins.

- Zacarias, prà braca! – ficou célebre a voz de comando do velho Desidério Hertkza, um húngaro que o Zé Brás albergou no Hotel Espadarte por falar línguas, e que treinou, durante anos, o Desportivo.

- Zacarias, prà braca! – insistia e teimava o bom Desidério, no final dos treinos, quando os guarda-redes eram submetidos a fuzilamentos impiedosos. O Ilídio saía de lá sem poder mexer-se e o Zacarias ia fazendo a vontade ao “mister”, embora não fosse um artilheiro credenciado. Cada um tem os seus predicados e o Zacarias ficou na retina dos apreciadores de técnica apurada, com o seu estilo elegante, classe de principezinho...

2000

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