__________________________________________________________________

segunda-feira, 28 de março de 2011

NOVENTA E TAL CONTOS, 51




Oliveira do Conde

António Cagica Rapaz

Durante anos, no meu espírito, Oliveira do Conde não foi uma terra mas uma casa de que me habituei a ouvir falar em Coimbra, desde o Verão de 1962, período em que o Mondego não passava de um envergonhado fio de água, despojo tímido da majestosa Serra da Estrela, beirão orgulhoso desgastado por gargantas e penedias. A imagem que fui construindo era a de uma casa imponente, senhorial, berço de famílias de raiz aristocrática, carácter talhado no granito, à imagem do patriarca Afonso da Maia a que o génio de Eça de Queirós deu forma e dimensão sublimes. Foi por outro Afonso, filho do Doutor Maurício, que conheci a família que lá viveu.

Gerações sucessivas habitaram casas como aquela, que eu nunca vira mas que imaginava, casas onde havia amor à terra, nobreza de carácter, integridade, temor a Deus, princípios e regras, respeito pela palavra dada, sentimento de honra, a sombra de árvores seculares, segurança e estabilidade, a protecção das paredes espessas que testemunharam alegrias de casamentos e baptismos e abafaram, em silêncio pesado, as grandes dores, as perdas irreparáveis.

Acabei por ir a Oliveira do Conde, no mês passado. A casa fica no largo do pelourinho e é como a imaginei, na traça bem portuguesa, na robustez, na imponência, na sobriedade das formas, três séculos que nos emocionam e nos deixam contemplativos.

- Eu sou plebeu, a Isabel é que tinha raízes aristocráticas, embora não fizesse alarde.

Assim nos recebeu o António, hoje o senhor do solar. O engenheiro António Fonseca é tio do Afonso e do Jorge Maurício.

Em 1962, foi o Afonso que me levou a casa do tio que, juntamente com a Isabel, me aceitaram na família, até hoje. Desta vez, foi o Jorge que se juntou a nós, em Oliveira do Conde. O Jorge pertence mais à Silvã, pela mãe, irmã da Isabel. Formou-se em Direito, em Coimbra, e nunca perdeu o contacto com a terra beirã.

A Sesimbra vinham muitas vezes o António e a Isabel, em veleiro que ancoravam no porto de abrigo e que deixavam ao cuidado do João Catita.

Despedimo-nos do António no largo do pelourinho, saía ele da missa, ouvia-se o sino da igreja, ali bem perto. O António há muito que não navega, mas ainda cavalga uma moto potente, dá umas braçadas vigorosas na piscina, recebe os amigos, lê muito e ouve música que saboreia como um vinho raro, na cave daquela casa deslumbrante onde a rocha empresta ainda mais suavidade à voz da Maysa Matarazzo. As grandes emoções vivem-se em recolhimento, entre paredes espessas de granito...


1999

Sem comentários:

Enviar um comentário