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quinta-feira, 24 de março de 2011

LÍBERO E DIRECTO, 1



Prefácio

Pedro Martins


É bem sabido que não há dois livros iguais à face da terra. Ainda assim, vale a pena explicar a diferença desta obra.

Nos nossos dias, livros sobre o mundo do futebol, como aquele que o leitor acaba de abrir, serão quase multidão. E que um futebolista se disponha a escrever sobre a modalidade – antes ou depois de ter pendurado as botas – pode ser caso raro, mas não é caso único. Há exemplos recentes nas colunas da imprensa escrita, e deve, a propósito, dizer-se que boa parte das crónicas que se seguem viu primeiro a luz do dia nas páginas de alguns dos principais jornais desportivos portugueses – o Record, A Bola e a já desaparecida Gazeta dos Desportos. Como se compreende, nada disto afirma, só por si, a singularidade de um estatuto.

Um livro começa-se pelo princípio e para tanto é mister ler-lhe o título, onde, neste caso, já quase tudo vai dito sobre quem escreve e aquilo que se deixa escrito. Libero e directo oferece-nos verdadeiramente um outro olhar sobre o futebol.

Diz-se que o futebol é o desporto-rei. António Cagica Rapaz não vai contra isso. Mas afirma que o rei vai nu. Nas últimas décadas, o futebol mudou muito, e para pior. A emergência do fenómeno televisivo trouxe demasiado dinheiro ao circuito. As mutações estão à vista: o jogo deu lugar ao negócio, o maior espectáculo do mundo transformou-se numa indústria que assume aspectos detestáveis, e cuja máquina poderosa não cessa de alienar as consciências e as vontades.

No fundo, só não vê quem não quer, toda a gente sabe que é assim. Mas alguns, submetidos ao anonimato, não têm a menor possibilidade de o dizer alto e bom som; e outros, podendo fazê-lo – devendo fazê-lo –, preferem calar, quando se não limitam à expressão cómoda, porque inofensiva, de uma qualquer trivialidade. Não assim com Cagica Rapaz. O antigo defesa da Académica e da CUF joga agora ao ataque: afirma, acusa, aponta o dedo, questiona, denuncia. Cada crónica vale por um pontapé livre, em posição frontal.

De certo modo, este livro é o testemunho privilegiado de alguém que, depois de ter conhecido os meandros do futebol – primeiro como jogador, depois como jornalista –, já não tem ilusões.

Mas estou em crer que António Cagica Rapaz perdeu a ingenuidade para preservar a inocência.

Só assim se explicará que, a despeito dos ventos álgidos que, num sopro de desencanto, perpassam muitas das páginas deste livro, ainda brotem, por entre os escombros, algumas flores de esperança. É um renovo de paixão que nos devolve a crença numa certa sobriedade, própria da pureza que houve nos melhores anos das nossas vidas, ou não se dirigisse este livro a algumas gerações de adeptos que cresceram para o futebol fascinadas pelo sortilégio dos bonecos da bola, suspensas dos relatos radiofónicos, num tempo em que os jogos se realizavam sempre ao domingo e os jornais desportivos ainda não eram diários.

Só assim se entende o olhar terno e saudoso lançado sobre a velha Tia Ana, que, no centro de estágio da CUF, preparava carinhosamente os pequenos-almoços aos jogadores, enquanto ansiava pelo regresso de seu filho, que estava em África, na guerra.

Só assim se compreende a profissão de fé no exemplo do menino brasileiro que, profético, nos garante que nenhum jogo está perdido enquanto Pelé estiver em campo.

Só assim se justificam as aproximações feitas à poesia e ao teatro, acentuando a dimensão estética com que o futebol, apesar de tudo, apesar dele próprio, será sempre capaz de surpreender.

Só assim se percebe que o autor, apesar deste futebol, se não canse de pensar a essência do jogo e sugira algumas alterações profundas às leis que o regem, de forma a salvaguardar a beleza do espectáculo e a garantir a justiça do resultado.

Hoje como sempre, Cagica Rapaz escreve pequenos textos sobre grandes paixões. Foi assim com Sesimbra, terra que o viu nascer, é assim com o futebol – estou em crer que será sempre assim. As crónicas que se seguem são uma colecção de retratos impressivos e histórias que nos prendem da primeira à última linha. São textos curtos mas admiráveis, plenos de humor, paixão, ternura e lucidez. São setenta e tal textos, curtos mas admiráveis, plenos de humor, paixão, ternura e lucidez.


Cabe ao leitor dar o pontapé de saída…

1 comentário:

  1. Quando me autografou o livro, comentou o autor:
    - Eu sei que não gosta de futebol mas isto não é só futebol. Acho que vai achar piada!

    E não é que achei?
    Porque, ali pelo meio, fui encontrar realmente o tal "humor", a "ternura" e a "lucidez" que sempre guiaram a mão do escritor.

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

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