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sexta-feira, 18 de março de 2011

CONFRARIA MÍNIMA, 48

as crónicas da Eventos...



Confraria Mínima*

António Cagica Rapaz

A designação surgiu no decorrer de uma conversa bem humorada a propósito de uma partida que pregámos ao António Reis Marques, por iniciativa e com a benção do mano Francisco. A inspiração teve origem na evocação de um pseudónimo usado pelo Rafael (na circunstância “Frei Mínimo”) e a aprovação foi imediata, espontânea e total, dentro do espírito que caracteriza esta companha que, alegre e entusiasticamente, enfrenta o mar de Sesimbra Eventos carregados de desafios à nossa imaginação, ao nosso escasso talento e ao nosso fraco saber.

Apesar disso, tem esta publicação recebido bom número de manifestações de agrado, provenientes de desencontrados quadrantes, sendo legítima a nossa (in)satisfação, pois sabemos que cada edição é um desafio renovado.

Não é habitual (talvez por convencionais resquícios de pudor duvidoso) vir a público elogiar a equipa de que se faz parte. Porém, acontece que sempre tive uma costela não propriamente anarquista mas um tanto anticonformista, e não é agora, a caminho dos 60 anos, que vou acertar o passo. Por isso, não resisto ao desejo de manifestar o meu contentamento por integrar esta “Confraria Mínima” que só existe na nossa cumplicidade e só vive pela nossa amizade.

A primeira e grande observação que me apetece sublinhar é a existência de um extraordinário clima de comunhão que nos leva a partilhar ideias, a fazer sugestões, a discutir assuntos, a debater princípios, a trocar opiniões, a criticar os nossos trabalhos, tudo sem uma quezília, sem farpas envenenadas, sem suspeitas nem insinuações. Ninguém se põe em bicos de pés, não há qualquer tenor, prima dona ou viciado em protagonismo. O que não significa que sejamos um bloco monolítico, alinhado ou acomodado. Pelo contrário, somos todos bem diferentes, cada um com as suas características, teimosos, opiniosos, de ideias bem definidas, com abordagens nem sempre coincidentes, mas com uma matriz afectiva e ética muito semelhante. Daqui resulta uma complementaridade frutífera, uma truculência mortífera e uma fraternidade beatífica.

O Paulo Pitôrra é uma espécie de Astérix, efervescente, incansável, hábil no teclado, no corte e costura da composição e da paginação, o que não o impede de ter uma porção mágica de projectos a borbulhar na marmita. Sem a sua tenacidade e a sua persistência nunca teríamos colhido “O que veio à rede”. É o “chofer” da barca, mas conhece os ventos, as estrelas e tem sempre um caminho marítimo para descobrir…

O Raul Rodrigues continua a buscar no fundo das minas da sua engenharia memorial, temas e imagens, figuras e acontecimentos que desenterra, limpa, vasculha, retoca e expõe com sensibilidade, talento e a precisão de quem conhece, de quem sabe reconstruir e reviver. De cada vez que, a pretexto de uma pesquisa, vem à nossa terra, parece um menino deslumbrado no arraial das Chagas, falando com este, abraçando aquele, beijando aquela. Cada visita sua é uma festa que não perdemos porque, no Outono das nossas vidas, cada momento destes é para ser apreciado, saboreado, eternizado. E quem não souber compreender que estas coisas simples são o pão e o vinho das nossas existências, tarde de mais se aperceberá do desperdício…

O António Reis Marques, é o nosso decano, o nosso “velho de terra”, o guardião do templo da sabedoria, enciclopédia que consultamos com respeito e parcimónia à mistura com a irreverência e a malícia de uma companha disciplinada mas divertida. Ninguém sabe tanto sobre Sesimbra como ele, mas os seus horizontes não se ficam pelos limites do Concelho. O nosso António mais velho é homem de muitas leituras e pensamentos próprios, um vulto insigne no panorama cultural de Sesimbra.

Ele não vai gostar, mas não vou esperar que atinja a terceira idade para lhe prestar a homenagem que, por mil razões, merece. Primeiro porque quando, por sua vez, for promovido a “velho de terra” já eu estarei sob a dita. Depois, porque o valor das pessoas deve ser reconhecido e realçado tão cedo quanto possível, enquanto há muito a esperar da sua acção. Por isso, é com todo o gosto que destaco o papel preponderante do Pedro Martins ao leme desta embarcação. A sua formação jurídica não o impediu de devorar obras, volumes, alfarrábios e pergaminhos das mais variadas ciências, ávido de saber, sequioso de cultura, devoto do pensamento, praticante da opinião, senhor de uma bagagem intelectual admirável, navegando tão à vontade na Filosofia como na História ou na música clássica. Fervoroso admirador de Teixeira de Pascoaes e José Régio, percorre a planície alentejana para ouvir Mestre Telmo, surgindo (com toda a naturalidade e mérito) como herdeiro espiritual de Rafael Monteiro.

São estes os membros mais veneráveis desta simpática confraria, que alberga ainda um “noviçoso”, ou seja, um noviço viçoso, de sua graça Joaquim Manuel Penim, meu companheiro de infância e de futeboladas inesquecíveis.

Não sei o que o futuro nos reserva, não sei até quando seremos capazes de navegar a favor deste vento de alguma originalidade e certa qualidade. Entretanto, vamos andando, ao reminho pela borda d’água, enquanto valer a pena, enquanto nos der prazer. Saberemos partir quando for tempo, porque nunca nos colocámos sob os trémulos holofotes de uma pretensa celebridade de trazer por casa, nunca nos atropelámos nem nos acotovelámos para ficar à frente na fotografia.
Sabemos é que estes anos com uma obra de nível muito razoável são uma realidade incontestável. E, sobretudo, temos a consciência do privilégio que foi e continua a ser conviver neste clima magnífico de camaradagem, amizade e bom humor.

É esta a boa companha a que me orgulho de pertencer e à qual assim presto a minha homenagem.

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* Publicado no n.º 27 de Sesimbra Eventos, de Outubro/Novembro de 2003.

2 comentários:

  1. Estes "Eventos" são anteriores à minha "ancoragem" em Sesimbra e não os conheci, mas tinham uma companha de luxo!

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  2. fiquei com saudades de uma confraria, quase assim, antes de ser "invadida" pelos tais cromos que se colocam em pontas de pés, mesmo sem saberem bailar...

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