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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

CONFRARIA MÍNIMA, 30

as crónicas da Eventos...





A respeito de…*

António Cagica Rapaz

Algumas das pessoas que tiveram a amabilidade de assistir ao lançamento das minhas “Bonecas Russas” foram mais longe na gentileza e solicitaram-me uma dedicatória, como se faz com os escritores a sério. Eu não me desmanchei, lá fui rabiscando o que me veio à cabeça e, em certos casos, em que havia pouca ou nenhuma intimidade, rematei com um beijinho que qualifiquei de “respeituoso”. Recordo-me de, na altura e naquela agitação, ter pensado primeiro em “afectuoso” mas o que afinal acabou por me sair foi um defeituoso “respeituoso”. Não uma mas duas ou três vezes, imagine-se, sem que tal me tivesse chocado. Só na manhã seguinte, muito cedo, tive como uma revelação, uma espécie de campainha que tocou na minha cabeça e me deixou perplexo. De repente, tomei consciência de ter escrito incorrectamente a palavra. É verdade que houve a influência do afectuoso; é certo também que se escreve, entre outros, delituoso, monstruoso, tortuoso, ou sinuoso. Mas não respeituoso. Por isso, aqui estou a penitenciar-me e a pedir às magnânimas pessoas contempladas com o tal beijinho “respeituoso” que vejam nele um gesto de respeito salpicado de afecto e o aceitem como uma espécie de brinde da Farinha Amparo, uma atenção do autor, uma surpresa mais, uma boneca russa adicional. Pelo mesmo preço.

Não foi este o caso, mas a verdade é que o gosto pelas palavras e pelas próprias letras leva-me a caprichos que podem revelar-se traiçoeiros. Por exemplo, o ç parece-me apropriado para carroça, com a cedilha a lembrar o pau de apoio e sustentação. Mas ainda bem que carrossel não ligou à carroça mas sim ao francês carrousel, pois a cedilha do c, para mim, representa um peso, um ferro ao fundo, um travão à liberdade de movimento que é a razão de ser do engenho. Aliás, os dois ss fazem até lembrar o carrossel 8 do arraial da Festa das Chagas de outro tempo.

Da mesma forma, dansar me agrada muito mais do que dançar, tem outra leveza, outra graciosidade, está mais em harmonia com o que significa. Dançar é a forma correcta, é verdade, mas aquela cedilha faz muito mais pensar em pés de chumbo do que em Cisnes do Lago…

Também não sei ao certo porquê, gostaria mais de escrever jeito com g. Não sei, acho o g muito mais bonito que o j, e nenhuma graça achava quando lia Cajica em vez de Cagica. Não sei se é das duas pintinhas seguidas, se da sua aparente fragilidade, só sei que não simpatizo com o jota. Claro, são apenas devaneios meus, daí não vem grande mal ao mundo.

Posto isto, aqui fica a admissão do lapso, esperando que os interessados a aceitem juntamente com os meus cumprimentos afectuosos. E respeitosos, está bem de ver.

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* Publicado no n.º 38 de Sesimbra Eventos, de Junho/Julho de 2005.

1 comentário:

  1. Lembro-me de ter falado desta utilização do "g" e do "j" com o António e chegámos a um entendimento perfeito: sempre o "g", porque o "j" era utilizado pela C.P. para identificar as carruagens de transporte... de gado!

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

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