__________________________________________________________________

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

NOVENTA E TAL CONTOS, 25


O Capitão John

António Cagica Rapaz

Calça azul, camisola azul, boné azul, mas sangue vermelho, apesar do convívio com as altas personagens que cruzam a baía em barcos de recreio. O Capitão John janta cedo. A patroa, com a idade e a tensão alta, deita-se a boas horas. Ele levanta-se da mesa, põe o boné na cabeça e sai, fechando a porta devagar. A Marisqueira é já ali em baixo, qual porto que acolhe os barcos que a nortada atirou para a costa. O Capitão John é figura popular, meio lobo do mar, meio contador de histórias de pescas fabulosas para entreter meninos ricos. Os estrangeiros baptizaram-no de Capitão John e ele traz às mesas da Marisqueira a brisa fresca do leste, o gosto vigoroso da espuma, a bandeirinha verde que tremula no mastro da fantasia. O Capitão John é o mar, o oceano inteiro que entra pela Marisqueira adentro e as pessoas olham-no como se ele tivesse vencido mil vendavais, arpoado cem baleias, pescado duzentos espadartes. O João Bizarro aprendeu os sinais de liques em inglês, navega em águas internacionais. Quem o quiser encontrar só tem de ir ao reminho pela borda d’água até à Marisqueira. Do alto do seu rochedo, o Capitão John passeia o seu olhar sobre o mar de aventuras que esta noite traz consigo. Este corsário do mar da Pedra ancora de mansinho a sua aiola...

1983

2 comentários:

  1. Com ele me deverei ter cruzado muitas vezes...
    A vivíssima descrição desta popular figura faz-me pensar em como nos passam ao lado tantas coisas e tanta gente que nem sequer imaginamos...

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

    ResponderEliminar
  2. Não conheci o Capitão John, mas depois desta descrição fabulosa fiquei com pena de assim não ter sucedido.

    Fantástica a maneira como captava os pormenores que identificavam cada uma das suas personagens, com a beleza de se mostrarem reais...

    Boa noite, ó Mestre!!!

    ResponderEliminar