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sexta-feira, 9 de julho de 2010

CONFRARIA MÍNIMA, 15

as crónicas da Eventos...





imagem tirada do blogue Sesimbra

Foi em 1962… Começava a década maravilhosa*

António Cagica Rapaz

O retiro na Arrábida era um ritual, evasão e recolhimento no fim de cada Verão, com a família e amigos escolhidos. Talvez por influência do cenário paradisíaco, pela harmonia com a Natureza, talvez porque o poeta Sebastião da Gama dissesse que pelo sonho é que vamos, a verdade é que o Chagas sonhava. Sonhava e fazia planos para o seu Ribamar, café a que a fortaleza impunha um limite, restringia os horizontes. E assim, no silêncio do Portinho, foi crescendo a ideia de um restaurante, projecto que lhe permitiria conciliar os seus anseios profissionais e a satisfação da sua velha paixão pela música, o gosto da festa e da confraternização calorosa.

Com o tempo, a máquina de discos calou-se, o bilhar deixou de ter bolas a girar e, na sala de cima, surgiram mesas e cadeiras, quadros pintados por artistas amigos, música típica de gravador e os petiscos da dona Cremilde, ajudada pelo Domingos.

Foram os primeiros passos do café em direcção ao restaurante, evolução natural do negócio e, sobretudo, etapa colorida no percurso que o Chagas idealizara. O Mário Regalado ia afinando os instrumentos dos futuros Galés, compondo e cantando em noites memoráveis em que havia no ar o perfume das lulinhas fritas e dos bifinhos de espadarte. Aos poucos, o velho café foi-se chegando para a porta, o rumo estava traçado, o Ribamar escolhera outra maré, o Chagas içava a vela maior, o restaurante era o bom bordo…

Assim nasceu em Sesimbra o que foi o primeiro restaurante digno desse nome, com o Chagas em “maitre”, animador de convívios, cicerone de sabores, anfitrião sorridente, alma e corpo de um Ribamar concebido à medida do seu espírito empreendedor e da sua concepção hedonista da vida. Foi em 1962, começava a década maravilhosa…

Fernando Farinha, o menino da Bica, foi o padrinho do novo Ribamar, nascido sob o signo do Fado. Sesimbra estava a tornar-se um destino muito procurado pelos turistas, sobretudo escandinavos, que se instalavam no hotel Espadarte e descobriam no Ribamar a excelência de uma cozinha rica de cores e aromas, à luz de uma vela e ao som de uma guitarra.

O Chagas, comunicador apaixonado, desdobrava-se entre as mesas e o microfone, mangas arregaçadas, sorriso permanente, todo ele paixão e alegria em noites inesquecíveis de uma Sesimbra que nunca lhe agradeceu o espírito inovador, o dinamismo e a audácia. Pelos anos fora, o Ribamar tornou-se uma segunda casa para a Maria Valejo, para o Helder António, para a Beatriz da Conceição e outros, não muitos, a casa era pequena, casa portuguesa, cada de família. Logo o folclore se juntou ao fado, e o Ribamar vinha para a rua de arquinho e balão, Sesimbra em festa, com os Galés.

O Helder herdou do pai o gosto pela música e tanto fazia coro com os Galés como parafraseava os “Bee Gees”. O rigor e a tenacidade que lhe vêm da mãe ajudaram-no a enfrentar a responsabilidade da sucessão. Primeiro, deitou a mão ao leme e enfrentou o mar. depois, olhou em frente e desafiou a fortaleza, evitando-a pela esquerda e criando o “Pedra Alta”.

Mais tarde, com o apoio e o incentivo do pai, foi mais longe no sonho ao erguer, bem de frente para o oceano, apenas com o horizonte por limite, um outro Ribamar, este mesmo onde nos encontramos, este mesmo onde celebramos, sempre em família, cinquenta anos de Ribamar, cinquenta anos de luta, de desafios, de paixão, de amor, de ousadia, de lágrimas, mas também de festa, em plena Festa das Chagas esta festa dos Chagas, festa do Helder, em nome do pai…

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* Publicado no n.º 9 de Sesimbra Eventos, de Outubro/Novembro de 2000.

3 comentários:

  1. É sempre um deleite ler as crónicas da Eventos e saber um pouco mais de uma Sesimbra de tempos que não vivi, trazida para a nossa imaginação e memória pela pena de um mestre da escrita que, como menino da Bica que também fui, me apadrinhou com a pureza da Sua amizade.

    É sempre muito bom ler-te, António, e recordar-te!!!

    Boa noite, ó Mestre!!!

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  2. Tínhamos combinado um almoço, há muito tempo adiado, para degustar a sopa rica de peixe, o prato favorito do António...
    Não vou lá sem ele: o sabor não seria o mesmo!

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  3. Para lá do deleite gastronómico que, tanto o "Pedra Alta" como o "Ribamar" evocam, lemos a Amizade em cada linha desta crónica.
    Como sempre.
    E como sempre, marcando presença, a música...

    Não há Anos 60 sem ela...

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

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