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segunda-feira, 21 de junho de 2010

NOVENTA E TAL CONTOS, 16




Capitão Domingos

António Cagica Rapaz

Pele tisnada pelo sol de muitos verões e pela ventania rija de invernos ásperos, camisola aos quadrados, boné de pala curta, é o capitão Domingos.

Os seus braços vigorosos tão depressa se colocavam ao serviço da barca, em terra, como se desnudavam para a faina estival. Durante a época balnear, o capitão Domingos vestia o seu belo calção vermelho e envergava a camiseta branca de nadador salvador. E era vê-lo, na borda d’água, a ensinar as crianças a nadar, a dar uma palavrinha marota às empregadas que assistiam menos para acompanharem os meninos do que para ouvirem o capitão Domingos que é homem de conversa fácil, sempre com a piada na ponta da língua. Capitão sem barco, ele manobrava com perícia, aiolas, chatas e charutos. Como certos homens dedicados a grandes causas, o capitão Domingos é celibatário. Casou com a barca, reparte-se pelo trabalho, pelo cinema do João Mota, deitou o ferro ao fundo no café do Alfredo. Capitão prudente, não embarca em aventuras, mas, como bom marinheiro, sabe gozar a vida, entre dois lances.

Quando o vento lhe parece de feição, larga a escota e zarpa rumo a Lisboa. Já correu meio mundo, em excursões do Isaac, e continua a ser muito procurado para exercer o seu talento para caldeiradas de que tem o segredo. Depois, amarra a aiola ao Pedra Alta onde é figura respeitada e considerada. O Hélder é dos nossos...

1983

2 comentários:

  1. Também tive direito a um "Capitão Domingos".
    O meu era o senhor António e, na minha mais tenra infância, dava-me os mergulhinhos da ordem, deixando-me a arquejar e de pernas a tremer, embora ele actuasse sempre com a maior delicadeza.
    O mar era outro: o da Ericeira, bravo e às vezes temível pela força das ondas...

    BOA NOITE; Ò MESTRE!

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  2. Existem sempre personagens marcantes no nosso universo de memórias.

    Não tive nenhum Capitão Domingos que me ensinasse a nadar, aprendi na Ericeira com mergulhos de cima de uma rocha numa pequena lagoa criada pela subida da maré, incentivado pelos meus pais que se banhavam na redondeza, atentos à minha evolução e aos "pirolitos" próprios de quem se aventura nessa arte.

    Essa mesma Ericeira, com o mar fielmente retratado, que também serviu para o "Capitão António Domingos" da Ana.

    Boa noite, ó Mestre!!!

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