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domingo, 30 de maio de 2010

TALVEZ POESIA..., 4

Vendaval

António Cagica Rapaz

Na janela do velho sótão,
Eu ficava a olhar o mar,
Gostava do vendaval.
O vento, noite e dia, assobiava
E as nuvens negras levavam
Água salgada do mar,
P’ra longe, p’ra lá da serra.
As ondas grandes, enormes,
Sempre iguais, a rebentar…
Na taberna joga-se às cartas,
Cospe-se nos dedos grossos,
Risca-se a mesa com giz.
As malhas do burro caem
Sobre as tábuas, repetidas,
Como as ondas, atrevidas,
Que chegam às escadinhas.
Os copos de vidro espesso,
O vinho, as cartas, o giz,
As ondas, o vendaval…
O tio Lúcio bebe aguardente,
Queima as entranhas e a mente.
Eu ponho areia nas tábuas
E as malhas escorregam.
Mas as ondas nunca param.
Nas escadas, ao pé da Sopa,
Os homens olham o mar.
As rugas juntam-se todas
À volta dos olhos cansados
De olhar o mar e a espuma
Que se eleva para o céu,
Um céu negro e carregado
De tormenta e amargura.
Os homens olham as cartas,
Mas elas não dizem nada.
E à noite, noite de breu
Como o céu
Que marca o destino incerto,
Ouve-se a voz do Gilberto,
Falando baixinho ao mar,
Esse mar que ele adorava
E só a ele escutava…
Guardadas foram as cartas,
O burro, as malhas, o giz,
O vendaval acabou,
Deus ouviu, Gilberto o quis.
Os barcos voltam ao mar,
A chuva no ar secou
E a espuma já não toca
As folhas da velha Sopa…

2 comentários:

  1. Aqui já há versos, algum vento... e muito encantamento...
    Maravilhosa memória!

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

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  2. Na tempestade da vida tudo tem um princípio, um meio e um fim. Maravilhosamente ilustrado à realidade Sesimbrense através de mais um texto poético de beleza ímpar.

    Aqui, ao largo destas palavras, não há o perigo de naufragar, elas são serenas, transmitem-nos calma.

    E se alguém, algum dia, lhe vender uma ideia contrária, vende-a mal!

    Boa noite, ó Mestre!!!

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