__________________________________________________________________

sexta-feira, 14 de maio de 2010

CONFRARIA MÍNIMA, 7

as crónicas da Eventos...



A improvável partilha*

António Cagica Rapaz

Não me custa imaginar o Pedro Martins a abandonar, por momentos, a leitura de Pascoaes ou a interromper um concerto para piano e orquestra, de Tchaikovsky, para me deixar entrever a tonalidade ou o azimute que anda a rascunhar com vista à “Eventos” que se segue, qual velho professor primário à procura de tema para a redacção.

Confesso que gosto destes desafios, esperando de cada vez ser capaz de arranjar um ângulo novo, uma perspectiva original, um jeito diferente de abordar os assuntos repetitivos do calendário, tentando ajudar a que cada número possa constituir uma agradável surpresa, resistindo à queda na rotina da mera informação.

Respeitando prazos e rumos, cada um de nós, membros desta Confraria Mínima, entrega os seus trabalhos ao Paulo ou ao Pedro, todos muito contentes porque acreditamos ter encalhado de mansinho a nossa aiola, em cada maré renovada.

Depois, à boca da noite, caminhamos praia fora, remos às costas, direitos a casa, à procura do jantar, enquanto as ondas suaves apagam as nossas discretas pegadas. Amanhã ninguém se aperceberá de que por ali passámos, de volta do mar, mas nem por isso o peixe estendido na areia deixará de ser fruto da nossa arte (ainda que fraca) e da nossa vontade de comungar desta modesta aventura que é cada lanço da “Eventos”.

As coisas são como são, os procedimentos estão instituídos, cada um tem o seu papel nesta encenação virtual e as pessoas habituaram-se a receber a “Eventos” em suas casas, sem custo e sem custos. Alguns nem se deram à maçada de preencher o papelinho a solicitar a recepção, amigo solícito terá tratado disso por eles. Depois, lá fazem o favor de nos dispensarem uns minutos do seu precioso tempo, numa leitura rápida, entre o telejornal e a novela, sem se aperceberem de que um pouco de nós fica em cada escrito.

Talvez não saibam, mas cada número é feito com gosto, imaginando (ingenuamente, talvez) que estamos a partilhar alguma coisa quando revelamos a origem do nome de uma rua, quando revivemos uma tradição, quando defendemos o nosso património cultural e afectivo ou quando sublinhamos o mérito de algum sesimbrense, de raiz ou de adopção.

Simples camarada, não fui mandatado pela companha, falo apenas por mim. Achei ser bom recordar que esta faina de escrever, de pescar nos mares mais ou menos profundos da pesquisa etnológica, da realidade circundante, da fantasia ou da improvável criação literária, esse esforço só faz sentido quando quem leva o nosso peixe para casa tem a bondade de nos deixar um sorriso, um gesto de cumplicidade, um sinal de simpatia, apenas isso.

De outra forma, se calhar o melhor é entregarmos a cédula na capitania, arrumarmos os remos e vararmos a aiola. Ou dá-la para abate...

____________
*Publicado no n.º 39 de Sesimbra Eventos, de Agosto/Setembro de 2005.

2 comentários:

  1. Um "esforço que só faz sentido quando quem leva o nosso peixe para casa tem a bondade de nos deixar um sorriso, um gesto de cumplicidade, um sinal de simpatia, apenas isso"...

    Onde é que já ouvimos isto, quantas vezes já falámos disto!
    E no entanto, se em 2005 os "pescadores" já sentiam vontade de "entregar a cédula", as coisas em 2010 continuam rigorosamente na mesma. Em Sesimbra ou noutros lugares.
    Eu disse "as coisas"?
    Queria dizer "as pessoas", evidentemente.
    Todos os que levam o peixe...

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

    ResponderEliminar
  2. Pois é, Ana!

    Mas, nos dias que correm, em que tudo nos é dado quase de bandeja, parece que até já nos custa reconhecer, de alguma forma (ainda que singela), o esforço de quem nos dá algo de si para nosso benefício.

    Dar e receber, esses belos actos, que todas as ordens louvam e incentivam, completam-se. Ou, pelo menos, deveriam completar-se (através do agradecimento de quem recebe)...

    E, cara Ana, essa comparação com as pessoas saíu uma COISA fabulosa!!!

    Boa noite, ó Mestre!!!

    ResponderEliminar