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segunda-feira, 5 de abril de 2010

NOVENTA E TAL CONTOS, 4


foto tirada daqui

Mar novo

António Cagica Rapaz

Os pescadores costumavam sentar-se nos degraus, ao pé da Sopa, a olhar as ondas repetidas de vendavais intermináveis enquanto a miudagem lançava estrelas que subiam muito no céu escuro, iam mais longe do que os sonhos de esperança daqueles homens para quem o mar era a vida e, às vezes, a morte.

Hoje o mar não é o mesmo, nem os homens. O mar é menos cruel mas menos pródigo também. Os homens souberam meter as mãos pelas entranhas do mar até lhe arrancarem o último peixe dourado e já não temem os vendavais agora transformados em pausa apetecível. Acabou a angústia de esperar o fim da tempestade para retornar à faina, matar a fome aos filhos. O mar cansou-se e encosta-se de mansinho aos rochedos, adormece antes do Verão para os barcos de cruzeiro, para o turismo. Os homens deixaram de olhar o mar e observam os que vêm contemplá-lo, saborear o sol que brilha no céu limpo das nuvens negras de outrora. O mar não galgou a muralha, mas o novo mar é em terra onde há cada vez mais pescadores e peixes mais ou menos frescos. Neste mar novo não há arrais demasiado exigentes e tudo o que vem à rede é peixe…

1980

2 comentários:

  1. " Neste mar novo não há arrais demasiado exigentes e tudo o que vem à rede é peixe"...

    Quem, senão o autor, para tão bem definir os dias de hoje?

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

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  2. Com efeito, quem...?!!!

    Boa noite, Ó Mestre!

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