__________________________________________________________________

quinta-feira, 1 de abril de 2010

CONFRARIA MÍNIMA, 1

as crónicas da Eventos...



Estranheza*

António Cagica Rapaz

Muitas pessoas crescem, vivem e morrem na terra onde nasceram. Nem sequer acham isso natural, por nunca lhes ter passado pela cabeça a hipótese de mudar de vida e de localidade. Menos ainda imaginam o que representa, o que implica começar de novo, adaptar-se, estabelecer relacionamentos, arranjar novas referências, criar hábitos, integrar-se.

As motivações que nos levam a deixar a terra natal podem ser múltiplas, mas admito como provável que uma tal decisão possa resultar da confrontação entre dois factores principais. De um lado, a força dos laços afectivos que nos prendem aos familiares, aos amigos, ao universo da nossa infância. E, do outro, a premência do apelo externo, sentimental, profissional, por exemplo.
Em geral, todos gostamos das nossas terras, mas não é menos verdade que algumas, como é o caso de Sesimbra, reúnem mais predicados do que outras. Por isso, acredito que possamos deixar sem grande mágoa (e até com alívio) localidades menos interessantes.

E é isso que me leva a olhar com incompreensão o facto de muitos amigos de infância viverem hoje longe da nossa terra sem que tal pareça afectá-los. É estranho...

Alguma estranheza é igualmente o que sentimos num primeiro olhar sobre a Quinta do Conde, terra de ninguém cheia de gente, ponto de encontro de quem não combinou juntar-se.

Habituados às nossas ruas estreitas que descem para o mar, à proximidade de portas contíguas e janelas indiscretas, à intimidade, até ao desrespeito pela privacidade, sentimo-nos incomodados com aquelas estradas largas, intermináveis, aquelas casas protegidas por muros, propriedade privada, vidas escondidas. O denominador comum é a sombra dos pinheiros, o aliado é o tempo. Só ele vai aproximando as pessoas, no mercado, na farmácia, nos cafés. A desconfiança esbate-se, as línguas soltam-se, os portões abrem-se, os muros diluem-se sob as roseiras e as buganvílias.

A grande Lisboa será, para a maioria, a esperança de um emprego, enquanto um lote de terreno poderá ter constituído, para outros, um investimento para a velhice. Depois, Setúbal também não é longe, as praias ficam perto, a localização é privilegiada, a convergência natural. O ar é saudável, as condições de base existem, resta fazer o mais difícil, a criação de um património cultural comum, uma identidade e, em último estádio, raízes. Já não será para esta geração, há que apostar na juventude.

Sesimbra, a velha senhora posta a banhos num mar de agitado desenvolvimento urbanístico, rebenta pelas costuras, sufocada por carros, invadida por incontáveis e insaciáveis esplanadas, está a passar por um processo algo semelhante, igualmente invadida por estranhos, mas com a diferença que estes estão, por norma, em trânsito, vêm pela praia, pelas caldeiradas, e depois vão-se embora. As casas que eles ocupam durante a época balnear ficam fechadas o resto do ano, pelo que os nossos jovens têm de ir morar para o campo, em pequenas Quintas do Conde onde só não se sentem estranhos porque a escala é menor e há sempre um parente, um amigo, o nosso mundo é pequeno.

Por este andar, dentro de poucos anos, a Quinta do Conde terá ganho consciência e proveito da sua dimensão e do seu potencial. E Sesimbra poderá tornar-se não uma Quinta mas um quintal à borda d’água...

____________
*Publicado no n.º 38 de Sesimbra Eventos, de Junho/Julho de 2005.

2 comentários:

  1. Cá está uma que também começou pelas praias e pelas caldeiradas mas achou que não bastava...
    Com o correr dos anos, veio o afecto à terra, às pessoas que se iam conhecendo aqui e ali, e o Verão já não era suficiente.
    Daí à compra de um poiso de maior permanência foi um passo.
    O "tal" jovem que foi obrigado a demandar a Quinta do Conde que me desculpe mas sem o meu cantinho em Sesimbra eu não sei viver...
    Compreendendo, embora, a frustração de muito sesimbrense ao ver tanta casa fechada o ano inteiro.

    A leitura destas crónicas é no que dá: acaba-se a fazer um comentário dirigido ao Autor do texto. E como seria bom que ele o pudesse ler!

    BOA NOITE, Ó MESTRE!

    ResponderEliminar
  2. Há locais que permanecem sempre em nossos corações, ainda que fisicamente não estejamos neles.

    Sesimbra será sempre um desses locais para mim, pois é terra de gente boa, amiga do seu amigo e da qual fui, aos poucos, aprendendo a gostar.

    Partilho o sentimento expresso no último parágrafo da Ana. A pena dela também passa a ser minha.

    Boa noite, Ó Mestre!

    ResponderEliminar